domingo, 4 de novembro de 2012

*Carta de Achamento do Brasil - Parte VI




Segunda-feira, 27 de abril: A segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos, mas não tantos com as outras vezes. Já muito poucos traziam arcos. Estiveram assim um pouco afastados de nós; e depois pouco a pouco misturaram-se conosco. Abraçavam-nos e folgavam. E alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha ou por qualquer coisa. Em tal maneira isto se passou que vinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles, onde outros muitos estavam moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, deles verdes e deles amarelos, dos quais, segundo creio, o Capitão há de mandar amostra a Vossa Alteza.

E, segundo diziam esses que lá foram, folgavam com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por andarmos quase misturados. Ali, alguns andavam daquelas tinturas quartejados; outros de metades; outros de tanta feição, como em panos de armar, e todos com os beiços furados, e muitos com os ossos neles, e outros sem ossos.

Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores, que, na cor, queriam parecer de castanheiras, embora mais pequenos. E eram cheios duns grãos vermelhos pequenos, que, esmagados entre os dedos, faziam tintura muito vermelha, je que eles andavam tintos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.

Todos andam rapados até cima das orelhas; e assim as sobrancelhas e pestanas. Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas da tintura preta, que parece uma fita preta, da largura de dois dedos.

E o Capitão mandou àquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados, que fossem lá andar entre eles; assim a Diogo Dias, por ser homem ledo, com que eles folgavam. Aos degredados mandou que ficassem lá esta noute.

Foram-se lá todos, e andaram entre eles. E, segundo eles diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. Eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma só peça, sem nenhum repartimento, tinham dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam. Debaixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, e outra no outro.


                                                                                                    continua...

Fonte: UOL aqui
Imagem: www12.senado.gov.br
*Carta de Pêro Vaz de Caminha a el-rei D.Manuel - Ano de 1500

Ver: 1º post ; 2º post3º post4º post; 5º post; 6º post

3 comentários:

  1. Querida Olinda:
    Tenho que ler isto tudo de dia. À noite, não vejo bem, os óculos têm que ser mudados. Amanhã, com a luz do dia, volto.
    Agora ler à noite, só letra grande. Se esforço os olhos, deixo de ver e até fico com dores de cabeça.
    Beijinhos
    Maria

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  2. Escolheste uma boa maneira de comemorares o ano do Brasil em Portugal, Olinda. Muito interessantes estas cartas que nos recordam a história que aprendemos e já bastante esquecida. Só li esta, mas voltarei para ler as outras. Muito obrigada por homenageares de uma maneira tão grandiosa essa pátria que também considero minha, já que os meus filhos são brasileiros.

    Voltarei, amiga para terminar a leitura. Um beijinho e uma boa semana
    Emília

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  3. Meu lado nativo aflora na hora do banho de rio, dos enfeites, dos brincos com penas, e de me deitar na rede e me embalar... Aí estou eu, nativa brasileira do séc XX...

    E se as relações não tivessem mudado, como contaríamos essa história hoje? Ah, como é bom rever o passado.

    Beijos, Olinda, até amanhã!

    ;)

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