sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A Árvore do Silêncio


Se a nossa voz crescesse, onde era a árvore?
Em que pontas, a corola do silêncio?
Coração já cansado, és a raiz:
Uma ave te passe a outro país.
Coisas de terra são palavra.
Semeia o que calou.
o faz sentido quem lavra
Se o não colhe do que amou.
Assim, sílaba e folha, porque não
Num só ramo levá-las
com a graça e o redondo de uma mão?
(Tu não te calas? Tu não te calas?!)







Canto de Véspera(1966)
Vitorino Nemésio

Poema e imagem retirados
do:                           



segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Quase mil anos

Sinto que tenho mil anos. Será que os não fiz já? Há tanto tempo que trilho por caminhos com que não sonhava sequer. O meu nascimento foi bastante conturbado, reconheço, talvez uma indicação de que aquilo que acabei por conseguir não seria fácil. Por onde terei andado? Faço um esforço. Depois de ter consolidado o meu próprio espaço à custa de trabalhos e canseiras, resolvi expandir-me um pouco. Nunca me passou pela cabeça ir para tão longe. Viajei por todos os continentes, atravessei oceanos, fiz coisas de que nem sempre me orgulhei, deixei e recebi influências.Durante esse tempo todo fiz alguma fortuna...que desapareceu na voragem do tempo. Depois, por força das circunstâncias voltei para casa, pode dizer-se que me recolhi ao lar. Para sobreviver, fiz alianças.Tudo parecia bem encaminhado e o rumo certo a tomar: Pertencer a um grupo com nome sonante, com moeda própria, com muitas e muitas promessas de permeio... Perguntar-me-ão se, depois de tanto tempo vivido, não tive filhos. Claro que tive. Muitos. Alguns deles para meu bem ou para meu mal desafiam-se no governo da minha casa. Um desafio em cujos resultados nem quero pensar. Mas, de nada me vale esconder a cabeça na areia. Maus negócios, dívidas e mais dívidas acumulam-se há já algum tempo. A somar a isso tudo a falta de visão dos meus parceiros, que não atinam com o caminho a seguir. Fazer o quê? Sinto-me com mil anos, mas ainda me faltam cento e sessenta e oito anos para os perfazer, mais coisa menos coisa. É isso, fui registado como independente e livre em mil cento e setenta e nove. Há quem diga que sou um jardim à beira-mar plantado e que na minha casa há um cabo onde a terra acaba e o mar começa...Será esta a solução? Fazer-me ao mar de novo?...



sábado, 22 de outubro de 2011

O Último Segredo

Este é o título do novo romance de José Rodrigues dos Santos com lançamento marcado para hoje. De manhã ouvi, pela rama, um pouco duma entrevista sobre este seu último romance em que ele dizia que a mensagem de Amor do Cristianismo não seria precisamente a mensagem de Jesus Cristo. Lembrando-me de Fernando Pessa, diria: 'E esta, hein?'... Será que ouvi bem?


No romance, segundo o escritor, são focados diversos aspectos da identidade de Jesus, aspectos esses que ele garante serem do conhecimento dos historiadores e da Igreja e que o seu livro se baseia em documentação existente... Polémica pela frente ?...


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domingo, 16 de outubro de 2011

Somos a Alegria o Corpo o Sal da terra


Somos a alegria o corpo o sal da terra
o sol das manhãs férteis a música do outono
a própria essência do amor a força das marés
somos o tempo em marcha



Esta é a única verdade
sabemos que vos é difícil aceitá-la
envoltos como estais em suborno e usura
bancos alta finança empréstimos externos
E no entanto esta manhã um pássaro
pousou à vossa beira embora
inutilmente
A pequena dactilógrafa matou-se
nós sabemos porquê

Um carpinteiro desempregado rasgou a roupa
e saiu cantando para a rua
nós sabemos porquê

Uma noite
a jovem costureira não voltou para casa
nós sabemos porquê

Um poeta
roeu as unhas enquanto foi possível
mas faltou-lhe a coragem no momento derradeiro
nós sabemos porquê


Nós sabemos porquê

NÓS SABEMOS PORQUÊ


E no entanto é doce dizer pátria
sonhar a terra livre e insubmissa
inteiramente nossa
Sonhá-la como se pedra a pedra construíssemos 
Como se nada houvesse antes de nós
e desde as fundações a erguêssemos completa
pura alegre acolhedora virgem
de medos mortos insepultos

Regresso pelo tempo ao dia de hoje
primeiro de Maio de 1962
hora segunda da meditação



Daniel Filipe
1925-1964
Poeta caboverdiano

AQUI


Poema retirado do:
Banco de poesia
Casa Fernando Pessoa

domingo, 9 de outubro de 2011

Contagiar almas

Inquietude é o que eu sinto quando a palavra desassossego me vem ao espírito. Também me atrai. Dá-me vontade de fazer coisas, saltar do sofá, ir à janela e espreitar o mundo, decidir coisas, isso, tomar decisões, fazer escolhas… O tempo é de decisões, qual delas a mais difícil. Por isso mesmo já decidi. Está na hora de ler “O Livro do Desassossego” e não confiar apenas em citações e passagens fora de contexto. Ver in loco o que Bernardo Soares teria querido dizer com:


 “Ah! Como eu desejaria lançar ao menos numa alma alguma coisa de veneno, de desassossego e de inquietação. Isso consolar-me-ia um pouco da nulidade de acção em que vivo. Perverter seria o fim da minha vida. Mas vibra alguma alma com as minhas palavras? Ouve-as alguém que não sou só eu?”


Foi com este post que eu iniciei este blog, em 22 de Janeiro. Hoje, o que tenho a dizer é que não li  ainda  o 'Livro do Desassossego', mas continuo com o mesmo desejo. Isto vem a propósito da notícia de que a peça Do Desassossego, inspirada na referida obra, estreada há 10 anos em Lisboa, só agora chegou ao Porto, onde será apresentada pela primeira vez. Estará em cena até domingo. Talvez vá vê-la. A seguir a leitura... Continuamos em época de grandes decisões.


Ver:
Notícia
AQUI

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

... corpore sano

Permitindo-me inverter a grande e conhecida tirada bíblica, nem só do pão vive o homem, diria: nem só da palavra vivemos nós, ainda que, paradoxo dos paradoxos, seja através dela que nos comunicamos aqui neste espaço. E vou continuar a utilizá-la para fazer a minha demonstração. Alimentamos o nosso espírito com lindos poemas, belíssimas prosas e outras demonstrações artísticas mas a nossa estrutura finita também necessita de atenção, coisa de que, muitas vezes, nos esquecemos. Seja porque andamos numa correria, sem tempo para nada, saímos de manhã para o trabalho e chegamos a casa já quase noite e ainda por cima com uma série de coisas para fazer até recomeçar tudo no dia seguinte, ou porque é mais cómodo não fazer nada...

Pois, no feriado de ontem, aproveitei para passar em revista aquilo de que necessito para manter, a par da alma, um corpo são. Parecem prosaicos estes cuidados, mas não são: caminhadas, exercícios físicos, muita água, não saltar refeições e não esquecer que um bom pequeno-almoço ajuda a repor energias e enfrentar com ânimo redobrado os problemas do dia que temos pela frente.

Há manuais que nos ajudam nesta área, além de ginásios e afins, portanto vou passar adiante e apresentar um pequeno-almoço que poderá não ser o recomendado pelos técnicos especialistas na matéria, mas não deixará de ser um bom pretexto para nos sentarmos à mesa, com calma, e dar os bons dias à vida. Muito diferente da bica e do salgadinho do nosso quotidiano.

Devo dizer que a chávena de café com leite ficou ao lado, ainda se consegue ver um pouquinho dela aí do lado esquerdo, também mimei-me com alguma fruta, um queijeinho branco. Bem, a panqueca com doce de pêssego que se vê na fotografia, um pouco retorcida, é da minha autoria. Por isso mesmo merece estar aqui como incentivo às minhas experiências na cozinha...

Portanto, aqui fica o meu convite... alma sã em corpo são. ;)


terça-feira, 4 de outubro de 2011

Partindo

Fui buscar ao blogue da Mara, Lusofonia Poética, este poema de Eugénio Tavares, e a imagem:





Partindo

Triste, por te deixar, de manhãzinha
Desci ao porto. E logo, asas ao vento,
Fomos singrando, sob um céu cinzento,
Como, num ar de chuva, uma andorinha.

Olhos na Ilha eu vi, amiga minha,
A pouco e pouco, num decrescimento,
Fugir o Lar, perder-se num momento
A montanha em que o nosso amor se aninha.

Nada pergunto; nem quero saber
Aonde vou: se voltarei sequer;
Quanto, em ventura ou lágrimas, me espera

Apenas sei, ó minha Primavera,
Que tu me ficas lagrimosa e triste.
E que sem ti a Luz já não existe.


Eugénio Tavares
      Cabo Verde


o)

sábado, 1 de outubro de 2011

O Trabalho

Pelo trabalho é que os homens enriquecem em gados e bens.
E aqueles que trabalharem são muito mais caros aos mortais.
Trabalho não é vileza, vileza é não trabalhar.
Se trabalhares, em breve o indolente te inveja a prosperidade.
Da riqueza é companheira o mérito e a glória.
Na situação que te deram os deuses, o melhor é trabalhar.
Cuida da tua vida, desviando o teu ânimo insensato
das alheias riquezas para o trabalho, como eu te exorto.
Uma vergonha pouco recomendável acompanha o indigente.
A vergonha está junto da desgraça; a confiança, da felicidade.


                                                                                                            (Os Trabalhos e os Dias, 308-319)
Hesíodo 





                                                                                         Imagens: Retiradas do Google